/Perecível (fotografia, ruína e memória)
olho toco tropeço tusso ouço converso atravesso pela cidade ando ando me deixo me deixam misturar um sol menor janelas entre rostos ruas frestas entre casas casarões construções fortaleza força da paisagem que descasca desfolha desplanta desenraiza vestigioso asfalto vertiginoso concreto residual percorro a jacarecanga feito pequena ave coletora e rasteira com a câmera desinteressada do que brilha reúno o que é rastro resto gasto e estou presente com os vestígios faces folhas paredes fábulas fatos afetos feridos a bricolar com o tempo recompor justapor sobrepor por pôr pôr-ao-sol a câmera oscila pedalo morro do ouro oto de alencar liceu vermelho bombeiro deslizo guilherme rocha são paulo filomeno gomes pedalo casarões descascam condomínios reluzem o poente a finada fábrica de tecidos são josé o fronteiriço cemitério são joão batista tra-tra o trilho fortaleza-caucaia cruzo sertão-mar rumo à leste-oeste este texto-trajeto linear trilha seguro meu trôpego labirinto um corpo que padece de vagar deambulador coletor de visões retorna renitente retrajeta relata retrata vetor colecionador de retratos ditos e vistos enlaço rostos anônimos e casas familiares às cútises das folhas colhidas frases e faces em desfiguração por força da urbe do rasgo do sol do fungo escrita vacante e talvez enfim me brote um haicai impuro mestiço menor
***
Sedimentação de fotografias, folhas, palavras e outros detritos, a exposição surge no intento de partilhar vivências e encontros de um corpo a envelhecer junto de sua urbe. ‘Perecível’ persegue uma poética de atravessamentos do tempo na superfície das plantas, das peles dos rostos, do concreto da cidade. Ruína, memória e imagem se cruzam por meio da ‘fitotipia’, retratos na superficie das folhas das árvores. Algumas das obras pontuam nossa atmosfera política atual, outras o álbum de família do autor.
‘Perecível’ traz retratos nos bairros históricos de Fortaleza revelados sobre a clorofila das folhas mais comuns aos jardins dos condomínios que a construção civil prolifera pela cidade. Se por um lado as folhas da arquitetura contemporânea constrangem as formas dos rostos, por outro a bricolagem de faces captura a efemeridade do ‘suporte-folha’ para nos indagar sobre as relações entre memória e duração – sobre a passagem do tempo na cidade e nos citadinos. Trata de um perambular pelo centro comercial, pela praia de Iracema, mas sobretudo pela Jacarecanga, bairro órfão das elites da metrópole – lá onde se percebe em seus casarões e idosos vestígios de uma cidade que envelhece. Aqui um corpo é vetor de ressignificação de memórias em ampla devoração. do sol, dos pés, da construção civil, das histórias, das políticas, das poesias. aqui a brevidade é soberana.
Com pesquisa iniciada em 2015, ‘Perecível’ foi amadurecido no projeto Imagens Não-Reveladas conduzido por Silas de Paula e Rian Fontenele entre 2016/2017. Ganha forma expográfica em 2018 na parceria com o Curador Júnior Pimenta. Também nesse ano, o projeto ganha formato de livro de retratos, haicais e outros escritos . Algumas de suas imagens reveladas na clorofila de folhas estiveram expostas na ‘Mostra de fotografia etnográfica da RAM’ – Reunião de Antropologia do Mercosul 2017 no Museu Juan Yaparí (Argentina) na Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. ‘Perecível’ é o primeiro livro do artista na seara da fotografia e da literatura.
O trabalho de revelação na clorofila de folhas de árvores, antotipia, também presente na obra do uruguaio Fede Ruiz Santesteban e do francês Benoit Fournier, se inspira principalmente na obra do vietnamita Binh Danh. Busca-se aqui salientar a fragilidade e as metamorfoses da memória diante da passagem do tempo na cidade. Entre as folhas encontramos retratos de familiares do autor que firma sua passagem pela casa dos trinta anos cruzando um pouco de sua biografia com a de Fortaleza (Ceará/Br). A exposição esteve nos ccbnbs do Ceará, em mostras de fotografia etnografica no Brasil e na argentina e (com a composição abaixo) esteve na bienal Fotográfica Bogotá 2019.
***
ausência permanente / júnior pimenta
caminhando pela cidade avisto de longe o exato momento que uma folha cai de uma arvore não recordo o nome da árvore mas era de porte médio não seria apropriado postular qualquer cargo político pois iria colocar em dúvida integridade do trabalho que fiz eu no entanto guardo tudo as folhas caem para anunciar o início da primavera não temos as quatro estações quando chove é inverno quando não chove é verão as folhas caem guardo Dandara Mestre Moa do Katendê Marielle Franco Charlione Lessa essa pessoas que estavam inseguras morreram quem será o próximo eu também ando inseguro pensar o processo temporal da existência de imagens é algo entendido como prolongamento da existência mas por outro lado como podemos pensar o estimulo ao sumiço estimular o desaparecimento através do processo natural de decomposição das folhas criando com isso um jogo temporal com as imagens quando eu era criança senti um cheiro de fumo e vi a minha avó que nunca conheci ela tinha falecido antes do meu nascimento mesmo assim nos encontramos nesse único dia acho que sou como ela propomos nessa exposição um percurso de ausências uma exposição com vazios intencionais fazendo com que a ausência seja permanente eu no entanto guardo tudo guardo corpos sem rostos a imagem de grito de longe avistei folhas andando sozinhas
pareciam folhas flutuantes ao me aproximar vi que eram formigas caminhando em uma fila cada uma carregando uma pequena folha as folhas ainda estavam verdes e pelo visto as formigas também gostam de guardar minha mãe e minhas irmãs que morreram quando eu tinha um ano de vida carrego comigo suas presenças e as ausências e muitas vezes fico imaginando como minha vida seria junto delas quando as folhas caem não significa que a arvore morreu apenas que uma estação chegou ao fim e outra se inicia hoje estive na casa dos meus avôs maternos que na verdade são meus pais onde hoje mora apenas a pequena Poliana vi uma folha seca caída no alpendre lembrei de quando não estive presente naquele mesmo lugar e de como a vida é feita de ausências e isso dói mas a casa é cheia de espadas de São Jorge.
projeto perecível – felipe camilo
realização – trama de olhares
exposição
curadoria: júnior pimenta
colaboração criativa: eugênia siebra. sérgio marques.
livro
prod./ass. de pesquisa – fernanda brasileiro
revisão – joice nunes
a edição fotográfica desse livro contou com as precisas e indispensáveis sugestões de fernando jorge, guilherme silva e iana soares.
Perecível (retratos, relatos e haicais). fotolivro. 61p. 1a edição. 500 exemplares (esgotados). Felipe Camilo.
http://fb.me/livroPerecivel
https://www.instagram.com/livroperecivel/