/Perecível (fotografias, haicais e outros escritos)
O livro ‘perecível’ reúne sua experiência sensível em dois tomos de páginas soltas, sendo o primeiro uma série fotográfica e o segundo um conjunto de ‘haicais menores e outros exercícios poéticos’. A publicação surge no intento de partilhar vivências e encontros de um corpo a envelhecer junto de sua urbe.
‘Perecível’ traz retratos nos bairros históricos de Fortaleza revelados sobre a clorofila das folhas mais comuns aos jardins dos condomínios que a construção civil prolifera pela cidade. Se por um lado as folhas da arquitetura contemporânea constrangem as formas dos rostos, por outro a bricolagem de faces captura a efemeridade do ‘suporte-folha’ para nos indagar sobre as relações entre memória e duração – sobre a passagem do tempo na cidade e nos citadinos. Trata de um perambular pelo centro comercial, pela praia de Iracema, mas sobretudo pela Jacarecanga, bairro órfão das elites da metrópole – lá onde se percebe em seus casarões e idosos vestígios de uma cidade que envelhece. Aqui um corpo é vetor de ressignificação de memórias em ampla devoração. do sol, dos pés, da construção civil, das histórias, das políticas, das poesias. aqui a brevidade é soberana.
O tomo literário ‘Coração de Rã’ possui duas formas poéticas quase a se antagonizarem: o conciso haicai com suas 17 sílabas e o ‘retrato narrado’ que se prolonga sem interrupções de pontos ou vírgulas. Este último vem como páginas soltas de um diário do qual fora retirada a pontuação para ser lido com toda a insegurança de um fluxo de pensamento – uma pequena saudação a ‘Galáxias’ de Haroldo de Campos. O haicai, abordagem tomada aqui no ato fotográfico e literário, segue as pistas de poetas como Matsuo Bashō, Alice Ruiz, Paulo Leminski e Adriano Espíndola, e da fotógrafa Letícia Kamada que experimenta essa poética de perceber o presente e o arredor com imagens. O trabalho de revelação na clorofila de folhas de árvores, também presente na obra do uruguaio Fede Ruiz Santesteban e do francês Benoit Fournier, se inspira principalmente na obra do vietnamita Binh Danh. Busca-se aqui salientar a fragilidade e as metamorfoses da memória diante da passagem do tempo na cidade. Entre as folhas encontramos retratos de familiares do autor que firma sua passagem pela casa dos trinta anos cruzando um pouco de sua biografia com a de Fortaleza.
***Notas sobre o livro perecível
Glória Diógenes
fortaleza, 01 de novembro de 2018.
perecível? diz-se do que é suscetível ou passível de morrer; que é findável, morredouro ou mortal. fotografar e escrever são distintos felipe? linhas do post scriptum desfolham cascas das fortalezas de olhos ávidos de ver. imagens ativam o sopro do imaginação. caminho por onde andas sem lentes. perder-se é para quem consegue ser água, para quem escorre entre fachos fugidios de qualquer coisa que não se alcança. digo para você que ainda está na casa dos trinta – nunca se alcança. alguns se salvam por já terem emergido
“onda gigante
uma baleia desponta
custa respirar”
há narinas na ponta dos dedos? há lentes no solo dos sapatos dos viandantes? o mar já não está tão calmo que nem precise ser contido pelas pedras. vejo. “com a água o verde cobrirá todos nós”. sigo o dueto do olhar. desço finadas fábricas entre ruínas de folhas secas-vivas. nada morre que não fique cravado na memória. olhos seguem ruas sob o crepitar de vozes que já não se escuta, mas enxergo e sei que tu vês. fotógrafo das sensações. em cada folha-imagem perecível sujo, enlameio as mãos com “retratos do efêmero”. coração de rã canta enquanto vive-morre? nunca gostei de rãs mas admiro quem sabe pular a outra margem. em 19.03.2017 ainda há silêncio, a flor do campo subsiste a brutalidade de dois mil e dezoito. você anteviu: milhares de peixes mortos chegam antes da terra rachada. folhas caem para cima e partem para o céu de alhures. “tudo por fazer” sendo que o sol se apressa é pau e pita. 07.02.2017. “pobre pobre artista proletário funcionário do dia…perderam o horizonte da luta de classes”. um vaticínio?: 28.10.2018. “classe média odeia gays pretos mulheres nordestinos”. amar ficar nu a semana inteira… amar até ficar pobre sóbrio. tuas cartas poemas imagens chegam em garrafas de náufragos. ninguém deixará a mão de ninguém mergulhar na escuridão. pode ser hoje 13.02.2017. entre miragens longínquas avistamos breves refletores espelho da cidade. em teus olhos imperecíveis. em tantos outros. ouso torcer trincar teu poema em grito. grito!
partículas em dispersão
partículas em dispersão
a noite acende
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É o primeiro livro do artista na seara da fotografia e da literatura. Com produção do coletivo da Trama de Olhares, o projeto teve as contribuições de Fernando Jorge, Guilherme Silva e Iana Soares na edição fotográfica, revisão de texto por Joice Nunes e produção/assistência de pesquisa por Fernanda Brasileiro. Sua realização, que data de 2015/2016, foi apoiada pela Secretaria da Cultura do Município de Fortaleza através do Instituto da Bela Vista e a publicação também contou com financiamento coletivo. Também foi aprofundado no Projeto Imagens Não-Reveladas conduzido por Silas de Paula e Rian Fontenele entre 2016/2017. Algumas de suas imagens reveladas na clorofila de folhas estiveram expostas em 2017 na ‘Mostra de fotografia etnográfica da RAM’ – Reunião de Antropologia do Mercosul no Museu Juan Yaparí (Argentina) e na Fotográfica Bogotá 2019.
Perecível (retratos, relatos e haicais). fotolivro. 61p. 1a edição. 500 exemplares (esgotados). Felipe Camilo.
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